Trick or Treat

‘Witches… All of them witches!’
Rosemary Woodhouse

Aproveitando o clima Gagaween dos últimos dias e a proximidade com o Halloween no próximo dia 31 segue abaixo uma seleção de alguns dos títulos interessantes para este final de semana e a data propriamente dita, a maioria visando escapar daquele já conhecido repertório esperado anualmente. Prepare o ponche de coloração sanguínea e sua melhor fantasia.

A título de curiosidade etimológica o termo estaria relacionado ao período entre o pôr-do-sol de 31 de outubro ao dia 1 de novembro no qual ocorria a chamada noite sagrado ou hallow evening que se transformaria no já conhecido Hallowe´en e Halloween. Existe uma outra hipótese relacionada à Igreja Católica e sua tentativa de eliminação da festa pagã do Samhain instituindo restrições na véspera do chamado Dia de Todos os Santos que nos países de língua inglesa seria conhecido como All Hallows´s Eve.

Mas agora vamos aos filmes.

Impossível deixar de mencionar o primeiro de uma série de outros filmes homônimos a famosa data. ‘Halloween – A Noite do Terror’, de John Carpenter foi lançado em 1978 e ajudou a difundir ao lado de outros títulos de mesma época e principalmente durante a próxima década o apreciado gosto pelos assassinos mascarados que perseguem principalmente jovens de pacatas cidades dos Estados Unidos. O filme foi responsável por criar a figura de Michael Myers com sua máscara sem expressão e a enorme faca de cozinha que carrega. O interesse no filme cabe muito mais ao clima vintage que corrobora para uma sensação de suspense ainda maior pela textura das imagens. Outro motivo de curiosidade é a presença de Jamie Lee Curtis em início de carreira como a irmã que Michael perseguirá após anos preso pelo assassinato da outra irmã de ambos quando o psicopata ainda era apenas uma criança com sua fantasia colorida, tudo isso é claro, na noite de Halloween.

Outro filme ou no caso desenho impossível de ser ignorado nesta data é o episódio ‘Trick or Treat’, de Jack Hannah envolvendo o Pato Donald e seus três sobrinhos ao lado de uma serelepe bruxa numa noite de Halloween. Lançado em 1952 o episódio encanta pelo seu charme que remete aos momentos mais inspirados dos tempos de infância. Definitivamente para se ver comendo doces numa bela poltrona confortável. Existe ainda uma ‘versão’ mais atual utilizando-se do mesmo tema do Dia das Bruxas com traços e ritmo mais enérgico bem condizente com os tempos em que as crianças (e os adultos) precisam estar mais magnetizados pelos olhos e ouvidos.

Ainda da Disney existe o excelente desenho animado ‘A Lenda da Caverna Adormecida’ ou tanto ‘The Legend of Sleepy Hollow’ ou ‘The Adventures of Ichabod and Mr. Toad’, de Clyde Geronimi e Jack Kinney, de 1949. A história baseada no romance de Washington Irving conta a já conhecida lenda sobre o cavaleiro sem cabeça que ao longo do tempo se tornou culturalmente muito conhecida pela utilização da abóbora, um dos símbolos do Halloween, no imaginário popular. Apesar de voltado primordialmente ao público infantil o filme acertadamente agrada qualquer faixa etária pela sua atmosfera curiosamente sombria em alguns momentos.

Agora falando um pouco sobre as bruxas propriamente ditas há filmes que são de impossível ausência. Merecem destaque, por exemplo, o documentário ‘Häxan – A Feitiçaria através dos Tempos’, de Benjamin Christensen que como o próprio subtítulo nacional sugere pretende apresentar um interessante painel a respeito das práticas de feitiço e as perseguições sofridas por aquelas mulheres consideradas bruxas na Europa por intolerância religiosa. Por ser narrado em primeira pessoa o diretor parece dessa forma demonstrar a tese anunciada pelo próprio filme de que “A crença nos maus espíritos, feitiçaria e bruxaria é o resultado de ingênuas noções sobre o mistério do universo”. Apresentado enquanto documentário o filme possui uma parcela em formato de docudrama, ou seja, dramatizando situações em uma narrativa a fim de ilustrar torturas, possessões e rituais dos mais diversos tipos. Considerada uma obra prima do cinema fantástico, foi realizado em 1922, uma época em que não havia praticamente censura como demonstram bem, por exemplo, algumas cenas de sacrilégios e rituais de Sabá.

Talvez um dos melhores filmes sobre bruxaria ‘Suspiria’, de Dario Argento tornou-se de imediato e ainda permanece como uma das obras primas da história do cinema, independente de qualquer catalogação de gênero ou estilo. Baseado livremente no livro ‘Suspiria de Profundis’, de Thomas De Quincey o filme é o primeiro de uma trilogia a respeito das Três Mães, poderosas representantes de horror e morte instaladas em três locais do mundo, a Alemanha, os Estados Unidos e a Itália. ‘Suspiria’ mostra um desses locais, no caso uma academia de dança alemã no qual uma jovem bailarina americana se instala para uma temporada de aprimoramento em seu talento. Gradativamente ela começará a suspeitar de que por trás da renomada escola existe na verdade uma ordem violenta repleta de bruxas, liderada pela tal Mãe dos Suspiros. O que faz de ‘Suspiria’ um marco cinematográfico é seu profundo senso de estilo e atmosfera auxiliados pela incrível fotografia de Luciano Tovoli utilizando o antigo processo Technicolor que exacerba ainda mais as tonalidades de cor, a trilha sonora do grupo Goblin formada por sussurros e gemidos. Segundo o próprio realizador a partir da idéia de sua então mulher na época, a atriz Daria Nicolodi, ‘Suspiria’ é como se fosse um conto de fadas para adultos, cuja grande inspiração visual é o clássico ‘Branca de Neve e os Sete Anões’.

Outro inesquecível título que provavelmente fez parte da infância de muitos é ‘Convenção das Bruxas’, de Nicolas Roeg. Baseado no livro de Roald Dahl o filme conta a história de Luke, um garoto que perde os pais e sob tutela da avó acaba entrando no universo de histórias de bruxaria. Um dia eles acabam indo passar uns dias em um hotel inglês numa região litorânea onde está acontecendo uma espécie de encontro entre mulheres de todas as partes do mundo que como é de se supor seja na verdade terríveis bruxas disfarçadas. O interesse pelo filme é seu clima em alguns momentos bastante tenebroso para um material infanto juvenil como, por exemplo, seu início com o relato sobre as bruxas, além de Anjelica Huston diretamente sensual no papel da bruxa principal.

Um clássico indispensável a qualquer indicação que se preze é ‘O Bebê de Rosemary’, de Roman Polanski. A jovem Rosemary (Mia Farrow) e seu marido Guy Woodhouse (o ator e renomado cineasta John Cassavetes) recém casados decidem procurar um apartamento no famoso Hotel Dakota em Nova York. Lá instalados acabam aos poucos conhecendo seus vizinhos, aparentemente idosos comuns, bastante simpáticos, solícitos e inofensivos. A situação vai aos poucos mudando quando Rosemary que está desejando ao lado do marido engravidar acaba suspeitando que seus vizinhos sejam na verdade integrantes de uma seita de bruxaria, que realizam rituais assustadores em segredo. A teoria de Rosemary cada vez mais parece se confirmar na medida em que ela acaba realmente ficando grávida, mas não de seu marido. O filme possui merecido mérito em virtude de um conjunto de qualidades, desde o elenco em extrema sintonia com seus personagens e direção, além da simples e aterradora canção de ninar tema de Krzysztof Komeda, ao visual sixties com direito a penteado legítimo do cabeleireiro Vidal Sassoon para Mia Farrow e sua personagem no meio do filme. Mais um exemplo de como a sugestão e a criação de uma atmosfera conseguem excelentes resultados na imagem.

Um filme que merece destaque em qualquer filmografia que se preze é o extremamente singular ‘Begotten’, de E. Elias Merhige. Exemplo raro de obra difícil de ser classificada, o filme não se enquadra a nenhum gênero ou categoria cinematográfica parecendo um objeto estranho e desafiador a compreensão. Para se ter uma idéia algumas das impressões a seu respeito remetem a ele como “um teste de Rorschach para o olho aventureiro”, “um dos dez filmes mais importantes dos tempos modernos” ou “um sangrento filme metafísico”. No fundo ‘Begotten’ se apresenta enquanto um radical experimento sem precedentes. Descrever em palavras suas impressionantes e perturbadoras imagens um tanto difícil a ponto do filme possuir logo nos seus primeiros minutos uma cena antológica na qual Deus se suicida cortando-se com uma navalha. De seus espasmos e vísceras surge a Mãe Terra que masturbando seu cadáver acaba por se fecundar a partir do sêmen ejaculado que resultará na fecundação e nascimento de um ser sonâmbulo feito de carne sobre ossos.  Por mais extrema que pareça a lógica entre os eventos, tudo converge para um resultado coerente com sua unidade formal e estética. Efeito visual inacreditável obtido pela pela utilização de película reversível, própria para slides. Depois de revelá-la, refotografou-se quadro a quadro em 16mm preto-e-branco tal película num maquinário que, criado exclusivamente para isso, expôs as imagens contra luzes fortes, proporcionando um inédito efeito de granulação e velhice artificial. Para se ter uma idéia do detalhamento e esforço neste processo, ele levava de oito a dez horas para cada minuto finalizado.

Agora é escolher a sugestão que mais atende às vontades e gostos individuais e fazer jus aos sentidos de cada nesta data. Entre travessuras e gostosuras, boas imagens neste Halloween.


MATHEUS MARCO
matheusmarco@brrun.com

Fotos: Divulgação