Casa de Criadores F/W 12 – Day 1


Walério Araújo, F/W 12.

A platéia aguarda o início do filme. Está aflita, ansiosa e esperando atenta qual será a história da vez.  Apesar do nome do local, Cine Joia, não se trata de uma película, mas sim o início da temporada de Inverno 2012 brasileira, na 30ª Casa de CriadoresLuiz Leite, Ale Brito, Juss e Walério Araújo são os grandes destaques da noite. Confira todos os desfiles do primeiro dia:


A morte veste LYCRA® – Fernando Cozendey

A primeira modelo entra no “cenário”. Clima de suspense, que é reforçado com a trilha sonora. Em sua estréia no evento, Fernando Cozendey faz o caminho inverso da maioria dos estilistas. Para a sua primeira coleção, um tema que inquieta e ao mesmo tempo empolga: a morte.  E ela, aparece no melhor clima surrealista, a la Elsa Schiaparelli, com pitada de glamour 40´s, quase noir, infantil, cínica, por isto sedutora. Neste teatro imagético e poderoso, um tecido tecnológico que faz parte do guarda-roupa de qualquer “mortal”: a LYCRA®. Vestidos, collants, calças, camisas e casacos feitos exclusivamente com material usado em beachwear, nos tons de preto e branco. Estampas representando esqueletos de animais como a águia, o bode, o peixe e o macaco. Essa segunda pele engana e seduz. Ali, aparece um recorte, uma fenda, um detalhe quase sensual: é a morte, que sem denunciar, ainda, qual será o final deste filme, ganha contornos de deboche e pura diversão nonsense.

O inverno é pra lá de glacial – Luiz Leite

Se depender da coleção de inverno de Luiz Leite – que desfila pela quarta vez no evento – a estação será glacial, branca, e pra lá de elegante. É que neste guarda-roupa masculino, que carrega o título de “milk” (tema da coleção), o que vale é sobrepor comprimentos. Casacos longos, shorts, bermudas, jaquetas e alfaiataria em moletom com silhueta justa ao corpo. Sobreposições de brancos e crus em diferentes texturas mostram que mesmo nestas “caras pálidas e tímidas”, reside uma bossa. No duelo entre longo e curto, só não vale apostar na ideia do sétimo look. Em uma tentativa de harmonizar estes opostos, o estilista cai na fronteira do desleixo, ao propor uma camiseta branca que deixa a barriguinha à mostra. Se não fosse este detalhe, acreditaríamos que esta segunda cena é um inverno bem longe dos trópicos, mas com uma elegância charmosa. Prova disto é o styling, que une peça de alfaiataria com uma deliciosa touca de crochê.

Paris é aqui! – Gabriela Sakate

Ao propor a elegância clássica e atemporal de Paris como tema de sua quarta coleção, a jovem estilista Gabriela Sakate proporciona um delicioso e usual exercício de moda até o quarto look. De lá para cá, uma modernidade que combina, não só com as metrópoles, mas com o dia a dia de mulheres da vida real. A sequência: um desfile onde, na falta de emoção, recorre-se à temática quase futurista. Em se tratando de um tema para lá de explorado, chama atenção a mistura de diversos tecidos em uma peça, como nos vestidos feitos com tramas texturizadas de algodão borrifados por resina. Talvez aí, esteja o brilho que esperamos da cidade luz.

Na festa de aniversário de Fernando Pires tem…

Os sapatos que tanto amamos! Sim, por que se tem uma coisa que Fernando Pires sabe fazer, não é só criar modelos vertiginosos que encantam as mulheres, mas deixar que este mesmo encanto ultrapasse a efemeridade da beleza para se revestir em qualidade e conforto. Apesar da aparência maximalista, os saltos do designer contrapõem-se à modelagem impecável. Para comemorar seus 21 anos de carreira, temos um show de referências de seu universo. Está tudo ali: meia-patas com saltos altos que aparecem em sandálias, sapatos e botas de cano longo. Na matéria-prima: python, a camurça, o verniz, os cristais e o acrílico. Os tons de roxo, vermelho, mostarda, preto e branco, contracenam com os simples maiôs pretos perfurados. Uma sacada de stilyng, que funciona… Nesta piscina ou nesta praia democrática, o mais importante é ousar.

O futuro já começou – Ale Brito

O BRRUN.COM atento aos reais talentos da moda brasileira tem observado este nome. Além da segurança em seu universo, da imagem consistente de sua mulher e da aposta em looks que você não vê a hora em usar, Ale Brito é um jovem que sabe utilizar o espaço concedido por André Hidalgo (organizador do evento) e sua equipe. Além de emocionar na trilha sonora, na escolha das modelos e na condução do tema, Brito conhece o território onde pisa: o da noite, das figuras interessantes, jovens e descoladas que encontramos nas festas que ele mesmo frequenta em SP. A apresentação, que segundo ele, é inspirada no minimalismo do final da década de 90, para o início dos anos 00, tenta justificar essa mulher com um vídeo. Assistimos então, um curta-metragem de um triângulo amoroso em uma casa noturna. Não precisava! A sequência de looks – que com certeza Kate Moss usaria – encarrega-se da eloquência do discurso. Formas estruturadas transitam entre o masculino e o feminino. Silhuetas retas, onde os protagonistas são as incríveis jaquetas (com modelagem habilidosa e arquitetônica) sobre calças skinny. Tons em azul, roxo, prata, preto e branco em materiais como couro, neoprene e metalizado, esbarram quase em um futurismo. Seria caricato, se Alê não estivesse já presente – e não apenas de olho – neste futuro nada longínquo. E neste além-tempo, a emoção final ficou por conta de David Bowie, que encerrou a apresentação com Heroes.

Des (ordem) masculina! – Juss

Inspirado nos trabalhos da artista plástica Louise Bourgeois e do ilustrador, fotógrafo e diretor de arte Jean-Paul Goude, o inverno da Juss é um exercício para o guarda-roupa masculino. Não é qualquer criador de moda, que transita neste universo. E não é qualquer homem que ousa adaptar-se às propostas de tais estilistas. Em uma coleção esperta, esse homem começa tímido, de leve, aos poucos, e em seguida insere detalhes ousados, sem perder o clima relax, que o masculino preza. Looks de lã vintage, efeitos visuais propostos na estamparia em preto, branco, azul e verde, casacos amplos e as peças com recortes, sugerem, para um olhar desatento, um crash de referências descabidas. Mas cuidado! Ao final do desfile, com todas as peças sob o nosso olhar, notamos que, na aparente desordem masculina, reina o desejo em ressignificar todas estas peças. À sua maneira!

Suspense que engana – Ronaldo Silvestre

Para justificar a sua alfaiataria elaborada, o estilista Ronaldo Silvestre buscou referência na arte do mestre do ilusionismo, Harry Houdini. O suspense notório na trilha e no clima do desfile, que lembrava um filme de Tim Burton ou um trash de vampiros, conduziu recortes e sobreposições de cintos e fivelas, que faziam às vezes de “camisas de forças”. Silhuetas, ora estruturadas, ora fluidas, contrastam com o surgimento inesperado de um jeans. A sequência final, que mistura preto com amarelo, deixou dúvidas e a pergunta de mistério: mas afinal, em qual direção caminha esta roupa?

Meu reino por um cavalo – Mark Greiner

O estilista, que na última edição representou o Dragão Fashion como convidado especial, aposta sua coleção no universo da montaria (!). Um clima de autoridade, autoritarismo, reis, rainhas e animais justificam-se pelo uso no styling de alegorias recorrentes, e de certa forma abatidas, desta temática. Interessante o sétimo look de lurex envelhecido, com capuz, que com uma plataforma destoam a estatura da modelo. Não funciona e não justifica a coleção, na realidade e na fantasia da passarela, o look com tule rosa que cobre a modelo da cabeça aos pés.  Com a participação do cantor e músico Daniel Peixoto, que em um determinado momento entra com uma cabeça dourada majestosa, a apresentação deixou a apoteose para a música de trabalho do jovem artista cearense. “Eu só paro quando cair” animou a plateia em um desfile com muitas referências e pouca roupa.

A doce vingança de Walério Araújo

No desfile mais aguardado da noite, um assistente de palco sobe e ajusta um microfone. Uma jovem cantora entra e permanece parada. A primeira modelo pisa na passarela. A música não vem da voz gritante da moça, mas sim de um aparelho de som.  Se não fosse um desfile de Walério Araújo não ficaríamos chocados com o primeiro look: um vestido cinza, inspirado em formas gregas. Sem entender absolutamente nada, a platéia, composta por Elke Maravilha, Salete Campari e Silvetty Montila, se entreolha e se pergunta: mas afinal, cadê o Walério? Inspirado nos concursos de beleza, nas referências gregas, em Madame Grès e nas ilustrações de Ertè, o que notamos no desfile, aparentemente (cuidado, é Walério!) é um amadurecimento para a vida real. Vestidos usuais com amarrações, estilo coluna, drapeados e decotes nas costas. Será que o estilista que já encantou travas, drag queens, o povo da noite e da montação, se rendeu à Vionnet e às imagens de mulheres que lembram sereias? O styling apurado de Paulo Martinez estava ali: limpeza, harmonia, fluidez e uma sensualidade. Como toda película de mestre o final é surpreendente. A jovem cantora dá o sinal e inicia “Rolling In The Deep“ de Adele. O público que entende o recado, sorri e canta em coro. Um quarteto de modelos absurdos, surrealistas e no melhor estilo waleriano entra e muda a ordem do discurso. A forma já não é mais fluída, a leveza é substituída pela “caricatice” de tules coloridos neons. É esta a linguagem debochada que falava Walério?! As quatro modelos param em um patamar elevado. Strike a poser! A sequência minimalista do começo retorna, parando em pose delicada, singela e angelical no andar de baixo. Walério entra fervendo e encenando o seu estilo “vaca profana”. Ele dança, olha e inquieta. Talvez, neste final, quisesse perguntar: qual é o limite real, entre fantasia e o que (nós) supomos como realidade?

— Estamos subindo as nossas fotos e em breve, você confere aqui na galeria do BRRUN.COM na categoria FASHION/BLOG, tudo o que rolou neste primeiro dia de desfiles na CDC —

Edição: Bruno Capasso
Texto: Brunno Almeida Maia

Fotos: Divulgação / Marcelo Soubhia — Agência Fotosite