A história da moda sempre nos revelou as possibilidades de termômetros das convulsões ou transformações sociais. Seja em sua recente, e mais corriqueira aceitação, de que a moda tal qual a conhecemos hoje, reflita um progresso do discurso da Indústria de Consumo, do Mass Media ou do capitalismo recente: a Ideologia do neoliberalismo; ou seja, ainda, o espectro de atenuação das diferenças entre as classes sociais.
Acessibilidade ao luxo para uma parcela mínima da sociedade, e aceitação das tendências já obsoletas pelas classes baixas. Mas será que em tempos de fast fashion esse discurso se valide enquanto dispositivo no jogo de espelhos que a moda sempre se propôs?
Desde a Idade Clássica, ou séculos XVII e XVIII, a plebe – vale ressaltar, que plebe não estava apenas vinculada ao status econômico – em busca do ideal de nobreza, somente visto na Monarquia, e apoiado no plano transcendental pela religião, ousou copiar as “modas” e os “modos” de uma nobreza que, percebendo a ascensão dos burgos desde a Idade Média – ponto em que a burguesia já foi considerada revolucionária- se individualizou não pelo status quo, mas por ideais de sofisticação, de bom gosto, escolha de produtos de durabilidade, e no poder do sangue.
A distinção se dava então, não pelo viés do “ter ou não ter”. Apoiava-se no “ter e ser”, ou seja, não importava apenas a quantidade, mas a simbologia e a magia garantidas por certo misticismo, em torno daqueles materiais, que palpáveis, prolongavam-se em um eterno teatro de sombras.
Com a modernização da burguesia, conseqüentemente das formas de produção dos bens de consumo, viu-se uma nova invasão dos desejos de cópias, simulacros de ascensão e de igualdades. Inversão de papéis, não servindo apenas como dispositivo de coerção – apesar do funcionamento das engrenagens da moda, estar vinculado ao consumo – mas principalmente como um novo saber na área do sonhar. Tecnicidade e cientificidade da experiência onírica, do sonho, da fuga da realidade e do escapismo.
Evolução recente do prêt-à-porter, o fast fashion é sinônimo de oportunidade para os que buscam na Ideologia da Etiqueta, a subida ou a aceitação no plano social. Não mais o dinheiro, já que “todos” possuem o acesso de forma direta ou indireta às ditaduras da moda. Velocidades das informações proporcionadas pelas novas mídias, e pelas exibições de celebridades, confortam aqueles que distantes das realidades do universo das etiquetas, permitem-se sonhar nas lojas de departamentos. Universalização das tendências, permitindo que o novo seja palpável em qualquer local que se comercialize moda. Em um ato de heresia, o transcendental foge da religião, e refugia-se nos templos de consumo. Aqui, mesmo sendo um jogo de palavras, essa fuga do transcendental, aproxima e iguala as classes, as pessoas e os “consumidores”, criando assim, a impressão de que, nos tempos da “moda rápida”, ou o fast fashion, protagonizamos a democratização da indumentária, ou ainda a grande revolução sonhada pelos “copiadores” da Idade Clássica.
Pretensão ou não, resta saber até que ponto esse novo dispositivo, essa nova ciência e moralidade do sonhar, servem apenas para dissimular os jogos internos e forjar a não consciência? Liberdade ou não, chega-se ao ponto de perguntar-se: podemos então, falar de uma história da moda, não apenas pautada no discurso das tendências, mas em como ela sofisticou a ciência do sonhar, não possibilitando percepções de lacunas e ausências nas classes sociais – não como no passado, em que a cópia sábia de sua verdadeira identidade, prolongava-se, mas no presente, em que o discurso do acesso presenteia-nos com artigos antes considerados de luxo? Citando a professora Marilena Chaui, em “Cultura e Democracia: O discurso competente e outras falas” (Cortez Editora): A ciência é o ópio do povo, permitam-me a licença de indagar e jogar com as palavras: seria o povo agora, o novo ópio da moda?
Ponto de vista: O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas, Gilles Lipovetsky, Companhia das Letras. (www.companhiadasletras.com.br)